Sumario

Editorial

Cuarenta años
del Odin Teatret

Hacer teatro hoy

La escena
iberoamericana

Investigar el teatro

BRASIL.ÉTICA E MORAL, DENTRO E FORA DAS CELAS

por Augusto Boal


Em 2002, o Centro do Teatro do Oprimido trabalhou em várias penitenciárias de São Paulo, com financiamento estrangeiro. Em 2003, este Projeto foi estendido a mais cinco estados brasileiros: Rio, Minas Gerais, Pernambuco, Rondônia e Brasília. Além disso, no Rio de Janeiro começamos a trabalhar com os assim chamados jovens em conflito com a lei. Estas considerações são a base teórica do trabalho, totalmente realizado pelos Curingas do CTO-Rio.
Uma coisa é escrever uma bela teoria; outra, bem diferente, pô-la em prática. No primeiro capítulo deste livro, expus a teoria do que pretendíamos fazer, e suas razões. Onde? Inicialmente, no Brasil, hoje.
Já não viuvemos ontem, e temos diante de nós todas as possibilidades de um amanhã incerto. Mais do que nunca, hoje nos faz temer o futuro e nos obriga e estimula a inventar esse amanhã, bem diferente daquele que se prenuncia.
Diante das autoridades estaduais e nacionais, diante dos agentes penitenciários e outros convidados, li a fala que se segue com a intenção de ser totalmente honesto sobre nossas intenções, claro sobre nossas posições, e esperançoso sobre o trabalho que naquele dia se iniciava.
Era preciso explicar a essas pessoas que nosso trabalho não seria mero passatempo, nem pretendíamos explodir as estruturas dos presídios. Não queríamos assustá-los... nem tranqüilizá-los.
Todos os Curingas do Centro do Teatro do Oprimido, os verdadeiros realizadores do Projeto, estavam presentes: Bárbara Santos, Helen Sarapeck, Claudete Felix, Geo Britto, Olivar Bendelak, Cláudia Simone, Luiz Vaz. Foram eles, e só eles, que assumiram todos os riscos da experiência.
Eis o texto:
Poucas vezes, na história da Humanidade, foi tão fácil ver as intenções secretas por trás das palavras vazias, na transparência ingênua e ameaçadora do discurso oficial. No mundo, hoje, vale a força: quem pode, manda - o jantar e a razão estão servidos. A ONU perdeu o seu sentido moderador e decisório, com o qual foi criada, e se converteu numa bela tribuna de retórica ornamental.
Cada nação faz o que quer... se, para isso, tiver tanques e bombas - e muitas. Com terrorismo, combate-se o terrorismo; com fanatismo bélico, o fanatismo religioso.
Temos que fechar os olhos se não quisermos ver que o mundo supera - em terror e ameaças - as angústias dos nossos pesadelos infantis. Hoje, fico feliz quando tenho um pesadelo, porque me alivia e reconforta do que vejo no mundo, quando em vigília. Nunca tanto desejei ter pesadelos, como desejo agora. Ao sono, peço pesadelos, como o verde pede a chuva: preciso deles para o meu equilíbrio psicológico, minha saúde mental, para continuar a ter alguma esperança de, um dia, acordar.
Precisamos da suavidade e da segurança que nos davam os dragontinos animais ferozes que se escondiam embaixo da nossa cama e nos estrangulavam com suave sadismo, sorrindo chamas; saudosos fantasmas estrábicos que se escondiam dentro dos armários, no sótão e no porão, e nos sufocavam, sensuais; bruxas, voando em vassouras de piaçava, pisando nuvens: saudosos pesadelos! Após o turbulento sono, nós... acordávamos.
Hoje, quem nos acordará dos pesadelos da nossa vigília?
Nos jornais, lemos que a água potável está se acabando, vamos todos morrer de sede... sem tempo de tomar banho; o buraco no ozônio se abre a olhos cegos, e vai nos queimar como torresmos; El Niño promete soprar devastadores tufões, tornados e furacões, se não assinarmos o protocolo de Kyoto, que só quem não polui, assina; o preço do petróleo voltará a baixar, mas é necessário que o Iraque seja destruído - eis a solução das nações empenhadas em vender bens e serviços para a reconstrução da Babilônia do Rei Hamurabi que, por ironia, foi o inventor do Direito, há quase quatro mil anos. Rei no país que inventou a roda.
Uma raça que não ame outra raça, mesmo que sejam as duas a mesma raça; um deus que não ame outro deus, mesmo sendo ambos o mesmo deus; uma nação que não ame outra nação, mesmo sendo ambas o mesmo Estado - todos têm o direito de trucidar seu semelhante: sendo fortes bastante, podem destruir aquele que poderia, um dia, ser o fraterno amigo.
Esta é a Moral do mundo.
Mimético, o Brasil, até 2002, sempre foi a reboque. Endemias atacam 20% da população; o desemprego anestesia um terço dos braços ativos; falta saúde, dizimando o corpo; educação, embrutecendo o espírito. O faminto não pode tocar piano, ver a beleza de uma paisagem; não pode pensar, nem namorar: o faminto quer pão!
Não existe Ética verdadeira na Moral mentirosa: nem no Brasil, nem no mundo. Nada do que se fala é verdade, e a verdade não se fala. Vivemos sob a égide de um Código Moral Polimorfo de Geometria Variável. Uma sociedade sem Ética é gera delinqüentes porque ela própria delinqüe.
No filme Cidade de Deus: uma criança de 12 anos sabe o que quer: - "Quero roubar, matar, cheirar, porque quero ser respeitado!"
Como se formou esse Código de Ética com valores tão coerentes, lógicos... e monstruosos?
Quando uma sociedade se desintegra, os valores nos quais se funda se esvaziam e fragmentam. Suas instituições permanecem aparentes, porém já não cumprem as funções que lhes deram origem.
Exemplo: os impostos eram uma forma democrática de obrigar os ricos a pagar pelas necessidades básicas dos pobres - este o conceito de Sociedade, todos sócios; no Brasil, quem paga mais impostos são os pobres que deveriam ser os mais beneficiados. Nos Estados Unidos, o governo diminui os impostos dos ricos e reduz as verbas de saúde e educação dos pobres.
Impostos foram esvaziados do seu conteúdo. Nós nos enganamos usando palavras em suas acepções antigas que camuflam realidades presentes.
Família: figuras como a paterna, materna e fraterna deveriam ser continentes protetores. Nas camadas mais pobres da população, vemos famílias esvaziadas do seu conteúdo essencial: o pai - alcoólico ou desempregado - manda o filho roubar e exige a sua parte; o padrasto, tio, ou pai, estupra meninas na puberdade. A mãe se mata de trabalho, dentro e fora de casa. Os irmãos estão na rua e as irmãs em pardieiros. As, assim chamadas, famílias, expulsam os filhos daquele conjunto humano que deveria ser abrigo e núcleo formador do seu caráter.
Oitenta por cento das crianças pobres internadas no DEGASE tiveram escola, porém esvaziada da sua finalidade pedagógica. O professor, que recebe dez vezes menos do necessário para uma vida de estudo e dedicação, deveria ser o princípio de autoridade, pai e mãe; horários de trabalho, recreio, livros e cadernos, seriam uma estrutura.
Nossas escolas impõem um saber dogmático, pré-paulofreiriano, onde o saber do aluno, que tem origem na sua vida real e concreta, não é levado a sério; escolas que, desde a primeira série, designam os alunos que serão salvos e condena os perdidos: classes 101, 102, 103... cada qual com seu destino.
Aquela criança na tela, cravada na minha memória, não tinha território nem lar, estruturas em nenhum lugar. Onde buscar integração? Nas igrejas mediáticas? Como? Fazem milagres, curam tudo, até caxumba as quintas, depois do almoço, e Aids, aos sábados pela manhã, no auditório lotado, mas... exigem o dízimo a quem não tem o cêntimo. Futebol? Como, se só são respeitados se forem para a Europa? Escola de Samba? Dura um Carnaval e sobrevém a quarta feira...
Não tem o apoio da família, não tem acesso à educação, e encontra a rua. - "Tia, me dá um trocado?" - "Sai pra lá menino, olha que eu chamo a polícia!"
O tráfico, bem organizado, cria sua própria moral, robusta: sem metas, além da ação presente; sem valores maiores que os da sua vontade. Nenhum significado transcende seus atos: Moral sem Ética. Mores, sem Ethos.
O tráfico agasalha a criança e lhe oferece oportunidades no crime: basta roubar, cheirar e matar - e será respeitado. O tráfico intimida e organiza a comunidade: é escola, religião e família.
Lá se aprende, como na escola; existem regras, severas e duras, como no exército; lá se exige a total entrega do corpo e da alma, como na igreja; lá se oferece diversão, como no samba. O tráfico é jogo de vida ou morte, como o futebol; e permite subir rápido na vida, como no mundo neoliberal.
O tráfico atrai - sejamos sinceros. Respeitando suas leis, cada qual tem garantido o seu lugar. Não respeitando, mesmo que tenha seis anos, como no filme, leva um tiro no pé ou uma bala no pescoço.
Quando digo que a nossa sociedade é uma vasta rede de crime organizado, digo a verdade: ela reduziu 50 milhões de brasileiros à fome. Isso é crime organizado, porque estão sendo esfomeados sob o império da lei, no país que é a décima economia mundial.
Essa constatação não deve, nem pode, levar-nos ao desespero! Deve nos estimular a reconstruir a nossa sociedade estapafúrdia, fazê-la renascer, e torná-la Ética.

Fraturas e Destroços
O teatro, dizia Shakespeare, é um espelho onde vemos a nossa imagem, vícios e virtudes. O espectador é testemunha. No Teatro do Oprimido, mostram-se imagens da realidade que se quer mudar; um conflito humano, provocado por uma fratura na Moral vigente.
No TO, o espectador é chamado a invadir a cena e buscar alternativas para os conflitos que vê, é convidado a consertar a fratura social, exposta.
O que é uma fratura? Um ponto preciso onde a estrutura social se quebra. Uma ferida em corpo são.
Uma empresa desrespeita direitos trabalhistas: houve fratura - faz-se um fórum para organizar a greve e exigir respeito. Grileiro expulsa camponeses das terras que roubou: fratura! Faz-se um fórum para escolher os caminhos da resposta adequada. Estas são fraturas sociais e, através do teatro, busca-se curá-las, remir vítimas.
O que vemos não são fraturas mas destroços de sociedades despedaçadas. Não existem paradigmas. Não existe o errado porque não se pratica o certo. A Moral que prevalece - moral, em latim, mores, costumes! - está em reta de colisão com a Ética - em grego, metas, objetivos, valores que se pretende alcançar!
Mores é o que é; o Ethos é uma tendência a ir onde ainda não se está. Mores é passado e presente; Ethos, presente e futuro!
Moral se refere àquilo que é comumente aceito; Ética ao que queremos que venha a ser.
A escravidão, como hoje o latifúndio, já foi Moral: ninguém se espantava que um rico possuísse escravos, como poucos se espantam, hoje, que 1% da população brasileira seja proprietária de 50% da nossa terra cultivável, e que os 10% mais ricos tenham 90% do poder econômico do país, enquanto que os 90% mais pobres, apenas 10%.
Diante da escravidão, ninguém devia nem dava explicações: era a moral vigente, como são hoje a miséria e a fome neste país tão rico. O comportamento ético, ao contrário, antevia a Abolição e a prenunciava, como hoje antevemos e prenunciamos a Reforma Agrária e a justa distribuição de renda. Somos éticos e não apenas morais.

A Complexidade do Trabalho Teatral em Presídios
Quando trabalhamos com grupos sociais, com cujas metas e valores éticos nós estamos de acordo - como com os camponeses do MST, os Sindicatos dos Bancários e dos Professores, comunidades carentes, negros oprimidos por serem negros, e mulheres por mulheres - com eles estabelecemos uma parceria fraterna. Nossa função é apoiá-los no que necessitem e desejem. Nossa política é apoiar suas políticas. Não questionamos seus valores porque são os nossos.
Nos presídios ou nos reformatórios, ao contrário, temos parceiros que praticaram atos que não aprovamos. Com eles não nos podemos identificar, embora possamos compreendê-los: não cometemos crime ou delito, mas somos capazes de trabalhar com quem os cometeu, e paga a pena (1) .
Para isso, é necessário que os presos retifiquem suas metas e valores éticos - não podemos ajudá-los a cometer, outra vez, os atos que os levaram à reclusão. Nossa função é ajudá-los a compreender as ações que, no passado, praticaram, para que possam, no presente, inventar outro futuro, e não aquele que antes desejavam, ou que parecia inevitável. A retificação de valores éticos é indispensável.
O desejo dos prisioneiros de retificar seu comportamento tem se revelado, para nossa alegria, verdadeiro, e tem tornado nosso trabalho útil e prazeroso.
Ver, em cena, o ato praticado, é a melhor forma de compreendê-lo em toda a sua extensão, e a melhor forma de transformar-se. Imaginar o futuro, a melhor forma de realizá-lo.
O próprio fato de que os sentenciados aceitem trabalhar conosco já mostra sua necessidade de diálogo
Quando trabalhamos com os presos, nossa relação é bi-polar: nós e eles. Nessa bi-polaridade surgem contradições de valores éticos e comportamentos morais. Quando trabalhamos com educadores e agentes - mesmo que não no mesmo espaço, nem ao mesmo tempo - essa relação se converte em triangular. As contradições se multiplicam e devem ser tomadas em conta.
Temos que levar em conta a existência de quatro Códigos Éticos que se emaranham na complexidade dessas estruturas.
Primeiro: o dos agentes (2). Temos que ver, teatralmente, como se mostram no presídio e em outras relações de suas vidas cotidianas. Em que aspectos a função agente orienta ou limita suas ações e pensamentos. Aentes, em situações prisionais, não podem ser apenas a função que exercem, aceitar as definições usuais dessa função sem questioná-las. Antes de ser Agentes, são gente.
Nem o presídio é depósito de lixo humano (3), nem os agentes não são leões de chácara, Cérberos, porteiros do Inferno: devem ser educadores, professores, conselheiros e amigos. Os agentes são quem mais intenso contato têm com os prisioneiros, suas necessidades e angústias. Trabalhando com agentes temos que ajudá-los a dignificar sua função que promove a transição entre o presídio e a liberdade. Agentes não podem ser apenas guardadores de chaves e usuários de cassetetes - agente deve ser uma função nobre, como a do médico e a do professor: ensina e ajuda a curar.
Temos que mostrar, em linguagem teatral, que os Direitos Humanos se referem a todos e não apenas aos presos e suas famílias. Se, nos agentes, existe a justa preocupação com a segurança, própria e alheia, temos que mostrar que a insegurança deriva da ignorância, não do saber; do monólogo que limita, e não do diálogo que esclarece e ensina.

O Teatro do Oprimido, trazendo o diálogo, traz o entendimento: traz a segurança, e não o desconforto, não o perigo.
A revalorização das funções dos agentes deve ser a primeira e mais essencial das nossas preocupações. Se um agente a um detento inflige tratamento desumanizador, é ele próprio que se desumaniza. Fazer é ser! Sou o que faço!
Segundo: o Código Ético do sentenciado, que contém o seu legítimo desejo de existir e ser alguém - quero ser respeitado, disse a criança! Esse Código tem que ser analisado em seus desvios, o joio e o trigo, para que ele possa entendê-los sob outro prisma, outra luz - para que possa confrontar seus valores aos de outras Éticas que não a sua. Para que o estigma de sentenciado não impeça a transformação que, nele, devemos estimular.
O tempo passado na prisão deve ser tempo de aprendizado, amadurecimento. A privação da liberdade, no espaço, deve intensificar o aproveitamento da liberdade no tempo. Temos que recusar o conceito de presídio-depósito, presídio-lixão.
Como poderá o sentenciado, ainda no presídio, separar-se do estigma de sentenciado, para que o seu rosto não se transforme na rígida máscara que o cobre? Como ajudá-lo a se reintegrar à sociedade? Cumprida a sentença, o sentenciado deixa de sê-lo, mas não deixa de ser a pessoa humana que é, capaz de se transformar. Como ajudá-lo a não carregar consigo para o resto da vida, o morto - o preso - aquilo que foi e já não é? Como renascer, redescobrir-se sem rótulos? A pena cumprida e a dívida paga, a marca de sentenciado, como no gado a marca do dono, não pode persegui-lo até o fim da vida.
Terceiro: o Código Ético Polimorfo, vigente na nossa sociedade, como tem sido até agora, que deve ser exposto, analisado e criticado - a verdade não pode ser escamoteada. Muito menos quando se faz teatro, que é coisa séria. Não podemos pretender edificar uma sociedade sadia fazendo de conta que essa que temos em nosso país é aceitável! Não podemos fingir que vivemos em um país justo onde reina a eqüidade, quando o sabemos iníquo: temos que expor os crimes que essa sociedade que castiga, comete, impune.
A sociedade não é responsável por todos os crimes e delitos que em seu seio se praticam; mas tem sua parte. Por que escondê-la, se não somos seus cúmplices?
Quando se fala em re-inserção social temos que ter o cuidado de perceber que não se trata de re-inserir o ex-presidiário no mesmo âmbito doentio onde o delito ou crime foi cometido, nas mesmas condições que prevaleciam nesse momento. A re-inserção deve ser transformadora: mudanças devem ser feitas dos dois lados. Do contrário, será inevitável que a re-inserção seja seguida de re-incidência (4).
Quarto, o nosso próprio Código Ético que nos leva a nos aliarmos aos oprimidos - aos sentenciados (5), agentes, funcionários e famílias - a todos a quem se limitou o direito ao diálogo e se impôs a unilateralidade coercitiva do monólogo.
Não somos juízes, não julgamos - mas temos o nosso Código, através do qual vemos o mundo. Como evitar que, com ele, manipulemos nossos parceiros, impondo nossas visões, sem que, a elas, renunciemos? O Teatro do Oprimido é o teatro da troca, não da coerção. Tem um fundamento filosófico que deve ser preservado. É democracia: arena onde se cruzam idéias e emoções. Todos têm que ter o direito à palavra e à ação teatral: a manipulação, assim, é impossível.
Este confronto de Códigos Éticos, de Valores e Metas, é a primeira estrutura a ser harmonizada. Estes Códigos existem e fazem com que tudo que se diga ou faça, não tenha nunca o valor do emissor da mensagem mas, sim, o valor que o receptor lhe atribui.
O importante não é o que se diz, mas o que se ouve. Não o que se pretendeu exprimir, mas o que pôde ser entendido.
A Linguagem Separa Como Aproxima
Temos que cuidar de palavras e gestos, porque cada grupo social tem diferentes estruturas de significados, e entenderá os mesmos símbolos - inclusive a linguagem verbal e gestual, a roupa com que estamos vestidos, nosso rosto, nossa voz, nosso comportamento - somente depois de traduzi-los em seu próprio idioma ético e vernacular. Como se, para cada palavra que dizemos, existissem quatro dicionários que a definissem em quatro línguas intraduzíveis.
Mais do que nunca, a palavra pronunciada não é a palavra que será entendida. Cuidado: temos que ter a consciência de que estamos entrando na Torre de Babel!
Nisto, o teatro nos ajuda, pois que o teatro é a soma de todas as linguagens existentes, o que torna o diálogo possível: se não entendo a palavra, entendo o gesto; se não o gesto, o som; se não o som, o silêncio; se não o silêncio, a cor; se não a cor, o movimento. Se nada disso entendo, entendo o seu conjunto, que é maior do que a soma aritmética dos seus fatores. Nossa comunicação não é apenas racional: é estética, sensorial. É consciente e é inconsciente. Pelos sentidos também fala a razão.
Outro cuidado que temos que ter é o de separar o fato acontecido da sua causa; separar o fenômeno, que é sempre único, da lei geral que o rege e rege fenômenos semelhantes, sempre únicos. Não é nossa função julgar o crime, o delito: nossa função é entender suas causas para que não se repitam os efeitos. Através do teatro, ajudar a que todos tomem consciência dos seus atos, do significado dos seus atos e das suas conseqüências. Das alternativas que teve ao seu dispor e das que poderá inventar.
Agentes, sentenciados, e mesmo nós, temos que entender que, quando fizermos uma sessão de Teatro do Oprimido, não estaremos falando de casos individuais, deste ou daquele sentenciado ou agente, desta mãe ou daquele pai, mas estudando comportamentos morais e buscando alternativas éticas.
Temos que criar um efeito de admiração, espanto e surpresa. Com o maior respeito por todos os envolvidos. Tudo que mostrarmos em cena deve vir acoplado com o que poderia ter sido ou poderá vir a ser. Todo ato é escolha! A vida é escolha: temos múltiplos caminhos diante de nós - fatalidade não existe. Destino se constrói. Futuro se inventa.
Uma sessão de Teatro do Oprimido sempre tem caráter subjuntivo: e se fosse assim? Como seria se assim fosse? Além de subjuntivos somos socráticos: com perguntas, temos que fazer com que cada sentenciado descubra verdades. Como Sócrates fazia com seus alunos: perguntava. Ao responder, os alunos descobriam o que, no íntimo, já sabiam.
Quando um camponês sergipano disse que - "O Teatro do Oprimido é fantástico porque, nele, a gente aprende o que já sabia!" - disse que através do teatro trazemos à consciência o que estava obscuro, ao vermos, no espaço estético, à distância, aquilo que acontece ao nosso lado, sem o registro da razão.
Em São Paulo, uma equipe de agentes criou uma peça na qual os sentenciados eram interpretados pelos próprios agentes. No momento em que um agente, representando um prisioneiro, recebeu a ordem de baixar a cabeça, colocar os braços para o alto e separar as pernas para a revista, pela primeira vez, sentiu a humilhação que estava tão habituado a infligir, sem perceber. Viu a situação e se viu em situação - isto é o teatro: ver-se vendo; observar-se agindo.

Por que o Teatro do Oprimido e, além dele, todas as artes?
Nós somos aqueles que acreditam que todo ser humano é artista; que cada ser humano é capaz de fazer tudo aquilo de que um ser humano é capaz. Talvez não façamos tão bem uns como outros, melhor que outros, mas cada um pode sempre fazer melhor do que si mesmo.
Eu sou melhor do que eu, melhor do que penso que sou, posso vir a ser melhor do que tenho sido, mais amplo, generoso, menos circunscrito a mim. Eu, o sentenciado; eu, o agente, o funcionário, o artista. Artistas somos, todos nós.
Nós acreditamos que o ato de transformar é transformador: quando transformo, eu me transformo. Não como os animais, que também transformam a realidade, porém dentro de um projeto geneticamente determinado. Cada pássaro canta o seu gorjeio e não o alheio; o seu trinado, sempre o mesmo, é sem surpresas. Só com o ser humano, que é capaz de sonhar o futuro, nasce a Cultura, nasce a Arte, a Ciência, a invenção. Nasce a certeza de que um mundo melhor é possível!
Todo ser humano é produtor de Cultura porque Cultura é toda ação transformadora realizada por homens e mulheres: não o que fazem, mas a maneira de fazer. Ser humano é ser capaz de criar Cultura.
A sentença do presidiário prevê a limitação da sua liberdade no espaço, mas não limita as atividades do seu espírito, da sua inteligência e sensibilidade, no tempo. Não prevê que, dele, se extraia a sua condição humana - isso seria um crime.
O primeiro de todos os Direitos Humanos é o direito á Cultura, o direito de existir! Esse direito é inalienável. No nosso país não existe pena de morte: a inatividade seria a morte parcial, morte social, isolamento do ser humano em si mesmo, sem pontes para o diálogo. Ninguém pode ser sentenciado ao imobilismo, à paralisia, condenado à inexistência. Não se pode praticar uma metafórica lobotomia nos detentos.
O presídio tem que ser escola, laboratório, fábrica. O direito de crescer intelectualmente não foi ao preso negado pela Justiça. Digo mais, para que retifique seus erros, esse crescimento é necessário. Aqui entra a Cultura. O ser humano é criador, e cada vez que alguma coisa cria, outras criações tornam-se necessárias. Cada uma de suas descobertas cria a necessidade de novas descobertas; cada invenção pede invenções.
A Cultura é o conjunto das maneiras diferenciadas e não geneticamente programadas, com as quais os seres humanos transformam a natureza. Cultura é a concretização da necessidade humana de recriar a natureza, reinventá-la; é o desejo, muito humano e até ingênuo, de querer ser como Deus, criador. Diz uma lenda que Deus, em tempos tão remotos que nem eu me lembro, teria pedido, a nós, artistas, que tentássemos organizar melhor a natureza que Ele, em apenas seis dias úteis - pois descansou no domingo, o que prova que ninguém é de ferro - não teve tempo de fazer, deixando tudo pela metade.
Quando cria Cultura e inventa a Arte, o ser humano realiza a proeza de se tornar humano, sem perder a sua condição animal. Não podemos voltar atrás. Eu me recuso a morar em cavernas e detesto carne crua.
Fazer arte não significa apenas tocar violão, cavaquinho ou reco-reco: significa expandir-se. Expandir-se é a essência da vida. Desde a nossa maculada concepção, desde o embrião, nós temos que nos expandir, no corpo e na alma. Conquistar territórios, físicos e espirituais - entre os meios de fazê-lo, prima a Arte. Não só o teatro, mas a música, a pintura, a escultura, a literatura, a dança. Se o tempo do preso é livre, por que não escreve um poema?
Uma Obra de Arte não é reprodução, é a representação da Natureza e da vida social. Essa representação deve ser percebida pelo observador sem a qual a Obra de Arte é Coisa, não é Arte. Os girassóis de Van Gogh, como a maçã de Magritte, serão apenas flor e fruta se não forem percebidos na dimensão estética que os artistas lhes deram.
Porém, vejam bem: a maçã e os girassóis, quando ainda no pomar ou jardim, já haviam sido vistos pelos seus pintores como Arte, antes de serem pintados, antes de serem Obra. Isto prova que a Arte é o artista, ou nele está inscrita, e não o seu objeto, a Obra de Arte, que só será Arte se, nela, estiver inscrito o artista.
Esta distinção tem que ser feita: Arte é a percepção e a forma de perceber; Obra de Arte é o objeto percebido, é a Coisa que, tendo sido transformada pelo artista, permite a percepção de valores e a fruição de visões, que vão além da Coisa que, nela, não estão inscritos, mas sim no artista que nela se inscreve. Disse Baudelaire que o artista é como Deus que deve estar onipresente em sua obra, porém invisível.
Arte é processo; Obra de Arte é objeto, Coisa.
O artista vê a Coisa, e o observador vê aquilo que, na Coisa, viu o artista. Van Gogh via girassóis de uma maneira de que só ele era capaz de ver, e o espectador, vendo seus quadros, vê o que viu Van Gogh em seu jardim, vendo girassóis. Não vê apenas bela tela colorida, pendurada na parede de um museu - esta é apenas o suporte da Arte. Mas o próprio suporte, que é Coisa, pode também ser estetizado.
O processo é o mesmo, no artista e no espectador, e consiste em serem ambos capazes de fazer uma abstração: ver, na Coisa, a representação dessa Coisa. Girassóis (Coisa) --> Van Gogh; quadro de Van Gogh (Coisa) --> espectador. É necessário que o espectador seja também artista, pois deve realizar, a posteriori, na fruição da Obra, o mesmo processo estetizante que o artista realiza, ao criá-la.
O nosso projeto de Estética do Oprimido consiste em desenvolver esse atributo de sermos capazes de ver, na Natureza, a Arte, sem que seja necessária a intermediação da Obra (6); e, na Obra, ver a Arte além da Coisa que a corporifica, sejam objetos ou sons. Seremos artistas se formos capazes de nos fundir e confundir com a Obra, nossa ou alheia. Seremos artistas se formos capazes do espanto. Capazes de nos admirarmos com uma flor silvestre e com a lata de lixo.
Como vemos, Arte é, também, a relação da Obra com o seu espectador, mas não o objeto em si mesmo (7) - este é a Obra de Arte. Arte é a maneira de ver, não a Coisa vista. Mas, para que possa ser vista, há que se transformar a Coisa natural em Coisa Estética.
Como se produz a Obra de Arte? Os sons andam por aí, rodopiando no espaço, aleatórios, e podem ser lembrados, recriados em nossa memória, inventados na nossa imaginação: sons reais ou imaginados - sabemos que a imaginação é uma forma de realidade. Tudo é real: o corpo e a alma. Se nós organizamos os sons no tempo, estaremos inventando a Música, pois que a Música é a organização do som e do silêncio, no tempo.
E o que são as Artes Plásticas, se não a organização das cores, dos traços e dos volumes, no espaço? E o que é o Teatro, se não a organização das ações humanas, no espaço e no tempo? O artista organiza o mundo segundo a sua percepção subjetiva - esta é a nossa linguagem, por isso somos artistas e não cientistas: na busca da verdade, vale a nossa subjetividade, não apenas o teste de laboratório. Quanto mais fundo penetrar dentro de mim mesmo, mais próximo estarei do Outro, meu semelhante.
Qual o significado da frase "o ato de transformar é transformador"? Se eu transformo a argila, o barro, a areia da praia e, com isso, faço uma estátua, estarei criando uma obra de arte, transformando a realidade. E o fato de transformar a areia em escultura, a mim me transforma em escultor. Agora sou artista. Se organizo os sons que ouço à minha volta, ou escuto no meu espírito, e se os ordeno no tempo, escrevo uma partitura; transformo a desordenada realidade sonora da natureza em Canção, e o ato de transformá-la, a mim me transforma em compositor.
Se agarro com mão firme as palavras que estão no dicionário, ou correm de boca em boca, se as ordeno do jeito que só eu sei, se as manipulo, alongo, encurto, mudo seu sentido; se transformo palavras, significados, invento sintaxes, rimas e ritmos, e escrevo um poema, estarei transformando a realidade das palavras, e o ato de transformá-las e criar um poema, a mim me transforma em poeta - aquele que transforma as palavras.
A mesma coisa acontece com o teatro, quando se trata de Teatro do Oprimido, quando o espectador se transforma em espect-ator, quando invade a cena e cria imagens ideais do que deseja que venha a ser a sua realidade, quando sonha o seu real possível. O espectador transforma as imagens da sociedade que vê e não ama, em imagens que ama e deseja, imagens de uma sociedade justa, convivial.
O Teatro do Oprimido nos liberta a todos, pois que somos todos prisioneiros: os sentenciados, prisioneiros do espaço; nós, do tempo.
E o ato de transformar a realidade, mesmo em imagem, é um ato transformador, pois que a imagem do real é real enquanto imagem! Sendo o teatro a soma de todas as artes, o espectador, invadindo a cena, transforma-se em escultor, em músico, em poeta; entrando em cena, mostrando, em ação, sua vontade, sendo protagonista, o espectador se transforma em cidadão! O sentenciado em homem livre!
Seres humanos, desde que somos concebidos, necessitamos nos expandir, para dentro e para fora. Para fora, buscando um território que seja maior que o volume do nosso corpo - a casa, o jardim. Para dentro, a poesia. Todas as poesias. Para fora, a terra firme, o pão e as flores; para dentro, a sabedoria.
Por isso, todo praticante do Teatro do Oprimido deve praticar todas as artes possíveis, expandir-se em todas as direções.
Como somos artistas, como somos românticos, nós acreditamos naquela frase tão linda do poeta cubano José Marti: "A melhor maneira de se dizer, é fazer!" Ainda mais: ser é fazer, e fazer é ser.
Não seremos jamais aquilo que não fizermos: sou padeiro porque faço pão; não sou astronauta porque jamais tirei os pés da terra firme. Quem teme o mundo, jamais será cidadão.
Queremos conquistar identidade e cidadania, porém só seremos cidadãos se formos capazes de intervir na sociedade e transformá-la naquela que desejamos, pois esta que temos não presta. Foi assim que certos hominídeos desceram das árvores e construíram abrigos, contra a opinião de certos hominídeos, pessimistas e derrotistas, que achavam que isso não seria possível e decidiram continuar pendurados pelo rabo aos galhos mais robustos até que a espécie desapareceu. Foi assim que os seres humanos saíram das cavernas e edificaram casas; plantaram sementes e colheram o trigo; moeram o trigo e fizeram o pão. Assim será quando estivermos decididos a construir uma sociedade justa, não predatória: uma sociedade humana - nós nos humanizaremos. Assim será!
Para isso, é preciso sonhar, não o sonho ruim que substitui a realidade, mas o sonho bom que a prepara. Para isso serve o Teatro do Oprimido: para desoprimir. Para isso serve a nossa parceria: para que possamos nos desenvolver como seres humanos, como artistas.
Fazendo arte, estaremos dizendo o que pensamos, inventando a sociedade que queremos, sendo nós mesmos. Cidadãos solidários.

Exemplo Prático: A Estética no Trabalho
Com os Jovens em Conflito Com a Lei
Se os jovens de um educandário judicial têm o tempo livre, não podem ser confinados inativos, sob pena de serem embalsamados em vida. Seus neurônios devem ser estimulados e não postos a dormir. Neurônios não podem ser encarcerados nas jaulas da inatividade.
Não pode existir, nesse infernal Nirvana que são as prisões e os educandários judiciais, a hedionda Pena de Imobilismo, ausente dos Códigos Penais.
A vida humana implica em atividades incessantes, mesmo durante o sono: nenhum de nós pode parar de respirar, nem nosso coração cessar suas batidas. O sangue circula em nosso corpo, sem descanso. Se, pela doença, em alguma artéria ou veia deixa de circular, sobrevém a necrosante gangrena.
Da mesma forma não podemos parar de sentir e pensar, mesmo no sono mais fundo: a gangrena espreita! Sonhamos e os sonhos nos lembram que estamos vivos, mesmo dormidos!
Essas atividades sensoriais e psíquicas exigem o relacionamento com o mundo exterior. Se o jovem em conflito com a lei, diante de si nada mais vê do que uma parede branca manchada de sangue, terá as sensações de uma parede dessa cor, de antigo sangue manchada. Se nenhuma atividade ou idéia inteligente lhe é oferecida, se nenhum mundo aprazível lhe é mostrado, estará condenado ao rodamoinho das idéias obsedantes e obcecantes que circulam em suas cabeças e à sua volta.
Os jovens em conflito com a lei, na sua grande maioria, fizeram parte ou foram usados, subordinados e sem poder de decisão, por um ou outro Comando do tráfico de drogas. Em alguns casos, continuam essas pertenças no confinamento, separados em espaços prisionais. Temos que compreender que esses jovens viveram em falsa liberdade dentro do mundo moral imperativo do tráfico que já cerceava suas possibilidades de escolha e, sem oferecer opções, determinava o seu futuro.
Sua percepção do mundo e dos valores desse mundo era intransitiva e inquestionável. O jovem recebia ordens peremptórias e obedecia. Exatamente o contrário do Teatro do Oprimido, que propõe o conhecimento e a escolha.
No reformatório, essa visão do mundo se confirma: o jovem encontra o mesmo autoritarismo, abaixa a cabeça e leva pancada (8). No entanto, a vocação dessas instituições deveria ser o contrário: a escola, o aprendizado. O jovem recebeu, como Pena Judicial, o seu cerceamento no espaço. Aqui, recebe a Pena Carcerária: é condenado à desestruturação do seu tempo, no qual, teoricamente, seria livre, e que deveria ser usado para o seu crescimento humano.
É necessário ajudar os jovens a que construam, esteticamente, o mundo ético no qual vivem e a criarem imagens que o corporifiquem, para que possamos melhor entendê-lo e, depois, deixando-o de lado, construir - sempre com esses mesmos jovens e não em lugar deles - outros mundos éticos Subjuntivos - "... e se?" - procurando igualmente entendê-los e compará-los com o triste mundo real onde habitam.
O Teatro Subjuntivo subjuntivisa todo o processo teatral e não apenas o Fórum.
Vamos, sim, encontrar obstáculos. Um deles - e não o menor - consiste no fato de que é essencial, ao Método do Teatro do Oprimido, a busca serena, sem pressa e sem atropelos: para nós, é importante que cada pessoa amadureça seguindo o seu próprio ritmo, segundo suas próprias possibilidades, necessidades e desejos. Não temos uma política de resultados que quantifique, sistematize e enumere conquistas e transformações pessoais e sociais. Não temos uma política de eventos, a não ser circunstanciais e como apêndices do nosso verdadeiro trabalho.
Por outro lado, é natural que os patrocinadores de qualquer projeto cultural queiram ver resultados em curto prazo, quantificá-los de forma objetiva, se possível em números, para avaliarem melhor a relação custo-benefício. Isto, tanto acontece com o financiamento governamental, como quando os projetos são patrocinados pela iniciativa privada.
Pelo terceiro lado, nossa indignação com as precárias condições que temos observado nos educandários nos incita a tentar uma ação rápida, urgente, direta. Queremos mudar tudo, já! Intervenção Shazan!
Não somos Super-Homens nem Mulheres-Maravilha capazes de resolver todos os problemas e aplacar ansiedades, saciando sedes! Mas podemos tentar ir além um pouco do nosso real poder.
Dizemos sempre: todos nós somos sempre melhores do que pensamos ser. Então? Sejamos otimistas.

Notas

1. Alguns de nossos Curingas já reconheceram pessoalmente alguns dos jovens em reformatórios como seus antigos vizinhos ou amigos de infância. Volver

2. Ou educadores. Aqui, usaremos o nome genérico de agentes, mesmo sabendo que em vários presídios a função de educador, ou assistente social, é mais importante. Volver

3. Ontem, os Hospícios eram lugares malditos onde os loucos perambulavam pelos pátios, sem rumo, às vezes nus e com fome. Esperavam a morte como hoje os presos esperam o fim da pena. Volver

4. O imenso grau de violência que se espraia pelo país, no seio de uma população entorpecida e amedrontada, é espantoso. O crime é espantoso, e mais espantosa é a sua ausência. A sociedade brasileira é criminosa e isso espanta, e mais espanta que cinqüenta milhões de esfomeados ainda não tenham invadido supermercados, depósitos de comida, fazendas com seus estoques de alimento e gado, para matar a fome antes que a fome os mate. Espanta que aqueles que recebem salário mínimo ou menos, ainda não tenham invadido os bancos que, no primeiro semestre de 2002, tiveram mais um bilhão de reais de lucro, neste país desnutrido. Os milhares de empregados, postos na rua por empresas que se fundem buscando lucros, nos espantam pelo seu silencio e por sua estóica boa educação; mais ainda nos espantam porque, sabendo que seus salários serão usados para aumentar os lucros dos acionistas, mesmo assim - isso é espantoso! - calam-se e não ocupam as empresas que os desempregaram.
Temos que nos espantar com os crimes sociais silenciosos, antes que sejamos obrigados a nos espantar com os crimes espetaculares que nos ameaçam cada vez mais. Volver

5. Não posso esconder que já fui prisioneiro e sei o que sentem; conheço a importância do tempo e do espaço na vida de um detento e posso me lembrar do que sentia; mas nunca fui agente nem funcionário de uma prisão - só posso imaginar o que sentem. Volver

6. Pedimos ao nosso grupo de empregadas domésticas, as Marias do Brasil, que escrevessem cada uma o seu poema. Foi o que fizeram. O ato de escrever era a Arte; os poemas, a Obra. No nosso conceito de Educação Estética do Oprimido prima a Arte sobre a Obra. Não queremos submeter os seus poemas ao crivo da crítica literária, saber se eram bons ou maus, mas observar o seu ato de escrever, de escolher palavras. Este ato era transformador e transformou as empregadas domésticas em poetas.
Faz agora dois anos todos os nossos seis grupos de Teatro Legislativo fizeram, cada um, a sua escultura com lixo limpo de suas comunidades, baseados no tema Ser Humano no Lixo: o ato de esculpir a todos transformou em escultores. Volver

7. Certas tendências da arte contemporânea enfatizam a realidade bruta, não trabalhada, e a cercam de elementos que permitam que seja vista em outro contexto, outro ambiente, outras relações. Um prato de feijão com arroz, em si mesmo, não é arte; iluminado por uma luz violeta, ao lado de uma ratazana azul, morta, em cima de uma toalha verde, pode tornarse. Volver

8. Um funcionário, quando aplica castigos corporais aos jovens, como costuma acontecer, viola o mesmo Código Penal que esses jovens violaram, viola a Declaração Universal dos Direitos Humanos e a Constituição do país, que não permitem castigos corporais, cruéis ou degradantes: aqueles que assim se degradam - degradando, ofendendo física e moralmente aqueles a quem devia proteger - que autoridade podem ter para exercerem a sua autoridade? Volver

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