HACER TEATRO HOY
EM BUSCA DO TEMPO PERDIDO

Por Wilson Coêlho

Em fins do século XIX, já se começava a discutir a sedução que, aliás, sempre fora questionada e vem tomando vulto desde Shopenhauer, Nietzsche e tantos outros, passando por Mozart, com "Don Giovani", Fellini, com "Casanova", etc. & tal. Bem, aqui na terrinha de deus – deus estrangeiro, dio-niso? – a sedução é encarada como virtude e (mais engraçado) até o teatro "descobriu" esta forma de comunicar. Conforme bombardeio da imprensa burguesa em prol da "globalização", este engodo tem sido chamado de arte para unir e conscientizar (sic). Atualmente, vem sendo utilizado por empresários e alguns desavisados sindicalistas e outros "esforçados" pelas questões dos trabalhadores. Para unir, quando dizem sobre "melhoria" nas relações de trabalho, leia-se tentativa de apascentar o rebanho, independente das diferenças, da exploração, etc., mas que seja tudo pela ordem.  Neo-positivismo? Por conscientizar, leia-se, difundir os novos valores impostos pela mentalidade imperialista como se a marca da modernidade, do aperfeiçoamento da produção em prol do lucro alheio. Se por um lado, existem estes artífices que se utilizam do conceito idiotizado e idiotizante da qualidade total a serviço do mundo "moderno", por outro lado, há os que se apegam ao tradicionalismo do teatro europeu e – em terceiro lugar – os que se crêem "avant-garde" e que imaginam um teatro que não tem nada a ver com as questões sociais, exceto quando por uma "nova" estética ad referendum da dominação. Os primeiros, defensores da tal "modernidade", são os inocentes úteis que – em nome da "qualidade total" – apenas alimentam a idéia da implantação de um novo modelo social em prol das reformas econômicas nos países chamados de terceiro-mundo, como uma tentativa de neutralizar a luta de classes e a consciência política da classe trabalhadora, facilitando – assim – os projetos do FMI, BIRD e Banco Mundial, conforme definições e daqueles países que visam a manutenção e garantia das velhas ideologias liberais. O segundo tipo de teatreiros e teatrantes, os que apregoam os mitos do tradicionalismo greco-europeu reeditado pelos capitalistas, parecem ter feito um pacto secreto com os burgueses, ou seja, o espetáculo trata-se apenas de um mero objeto de comércio num sistema numérico de troca, onde – de um lado – o espectador dá o seu dinheiro ao teatro e – do outro – exige um espetáculo regado a choro, suor e saliva e, caso contrário, que seja bastante "engraçado" e que em momento algum lhe possibilite o senso crítico. Apenas uma possibilidade de chorar identificado com um personagem isolado da vida ou rir do "outro" que o mesmo espectador ridiculariza e/u explora. Sempre na condição passiva e, de qualquer forma, que seja um processo que propicie a catarse ou possa fazer-lhe "esquecer" os problemas da vida. Em terceiro, os tais "vanguardistas", parecem se acreditar acima do bem e do mal e, em nome de uma estética, desenvolvem apenas um teatro fisiológico e descomprometido com a reflexão histórica e, quando muito, socorrem-se de uma cartilha muito em voga hoje na Europa: o teatro antropológico que não passa de uma mera substituição de estilo ou uma mistificação da realidade.

Faz-se necessário trabalhar pelo teatro que seja verdadeiro, não como um fim em si mesmo, mas um teatro em processo, um teatro que se constrói com a humanidade a partir da subversão das relações cívicas e que não se submeta ao controle de quem patrocinou ou pagou um ingresso e não se resuma num mero exercício de voyerismo para o espectador. É preciso um teatro que – antes mesmo da presença de atores, diretores, dramaturgos e atravessadores de produtos culturais – exista a vida, não escamoteada, mas com todas as suas contradições, conflitos e necessidades de redefinir as relações humanas. Um teatro em busca do tempo perdido, não aquele dos que choram a saudade de uma imagem de infância, mas aquele da consciência do que foi construído e como foi construído para que se possa negar os edifícios que já não nos comportam e muito menos nos atendem em nossos sonhos e anseios de liberdade.


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